Incompatibilidade Sanguínea – Risco para a Mãe e para o Feto
No início da gestação, logo quando a mulher procura o médico para iniciar o pré-natal, ela recebe uma lista de exames a realizar, entre eles, a tipagem sanguínea.
Esse exame é solicitado para o profissional saber se existe algum risco de incompatibilidade sanguínea entre a mamãe e o bebê.
Um pouco mais sobre os tipos de sangue
O nosso tipo de sangue é determinado pela presença de determinados componentes que ficam na membrana das nossas células vermelhas, as hemácias. Os componentes mais conhecidos são os antígenos A e B, e os do sistema Rh, mas existem muitos outros.
De um modo simplista , se suas hemácias tem antígeno A, seu sangue é A; se tem o antígeno B, seu sangue é B; se tem os dois, seu sangue é AB; se não tem nenhum, seu sangue é O. E, do ponto de vista do sistema Rh, se tem o antígeno D você é Rh positivo e se não tem, você é Rh negativo.

Antígenos do grupo sanguíneo ABO presentes nos glóbulos vermelhos e anticorpos IgM presentes no soro sanguíneo
Esses são os principais determinantes do tipo sanguíneo. A depender da herança genética, pois o tipo de sangue é determinado geneticamente, o tipo de sangue dos filhos pode ser igual ou diferente dos pais. (mas isso é assunto para um outro post).
Os tipos de incompatibilidade sanguínea
Do ponto de vista obstétrico, existem dois tipos de incompatibilidade sanguínea mais importantes: do sistema ABO e do sistema Rh.
A incompatibilidade ABO é quando o tipo sanguíneo da mãe é diferente do tipo do bebê, considerando os antígenos A e B, e a ausência deles.
É a incompatibilidade sanguínea mais comum e não é considerada grave, ocasionando somente a chamada icterícia neonatal (aumento dos níveis de bilirrubina no sangue do recém nascido) que é tratada com fototerapia (o tão falado banho de luz), nos casos em que requer tratamento. Muito raramente pode causar anemia no bebê, antes do nascimento.
A incompatibilidade pelo Rh é mais grave e acontece quando a mãe tem o Rh negativo e o bebê Rh positivo. Nestes casos, caso haja troca de sangue entre a gestante e o bebê durante a gestação ou mais comumente durante o parto, o organismo da mulher começa a produzir anticorpos anti-Rh. Caso haja contato desses anticorpos com sangue Rh positivo, eles atacarão as células Rh positivo, que serão consideradas invasoras. Este processo se chama aloimunização.
Para a primeira gestação em que isso acontece não costuma haver problemas. Porém, em uma próxima gestação, caso o novo bebê também tenha Rh positivo, o sistema imunológico da mãe aloimunizada considerará este antígeno como uma ameaça e começará a atacar e destruir as hemácias do feto.
Detalhando a incompatibilidade sanguínea Rh
Enquanto médicos, a grande preocupação é a incompatibilidade sanguínea com o sistema Rh.
O que exatamente é a incompatibilidade Rh?
Essa incompatibilidade acontece quando a criança herda do pai o fator Rh positivo e a mãe possui o Rh negativo, ou seja, a mãe não tem o antígeno e o feto sim.
Uma vez que a mãe foi aloimunizada (teve contato com hemácias Rh positivo e começou a produzir anticorpos anti Rh) pode haver sérias consequências em uma próxima gestação.
Como este problema acontece?
Na primeira gravidez, os anticorpos que são criados pela incompatibilidade sanguínea são grandes moléculas (tipo IgM) e por isso não conseguem cruzar a barreira da placenta.
Assim, se o sangue da mãe for colocado em contato com o sangue do bebê, nada acontece.

Anticorpos maternos reconhecem e se ligam às hemácias do bebê!
Na gravidez seguinte, se o bebê for novamente Rh positivo, o sistema imunológico da mãe irá reconhecer os antígenos Rh positivo e rapidamente irá produzir anticorpos menores (tipo IgG) e que conseguem assim chegar até a placenta, atravessá-la e atacar as hemácias do bebê.
Este processo imunológico acaba levando ao surgimento de doença hemolítica perinatal, uma anemia fetal causada pela destruição de suas hemácias ainda no ventre materno, pelos anticorpos produzidos pela mãe.
Quais são as consequências?
Dependendo da intensidade da anemia, podem acontecer diversas complicações fetais, desde quadros simples até quadros mais graves. Os casos mais leves cursam com icterícia apenas.
As principais consequências da anemia fetal são:
- Aumento da produção fetal de hemácias, levando a crescimento do fígado e baço;
- Congestão hepática;
- Aumento da bilirrubina fetal;
- Insuficiência cardíaca fetal;
- Hidropsia fetal;
- Polidrâmnio (aumento na quantidade de líquido amniótico);
- Paralisia cerebral;
- Surdez;
- Kernicterus (lesão cerebral pelo depósito de bilirrubina no sistema nervoso central do recém nascido);
- Óbito fetal ou neonatal.
Fatores de Proteção
Felizmente somente uma pequena parte das mulheres Rh negativas que têm recém-nascidos Rh positivos, tornam-se aloimunizadas e tem crianças afetadas pela Doença Hemolítica Perinatal, sugerindo que há fatores protegendo a grande maioria das mães da aloimunização.
Entre estes, está o fato de que, por motivo ainda não esclarecido, até um terço dos indivíduos são incapazes de produzirem anticorpos anti-Rh, mesmo depois de repetidos estímulos. A incompatibilidade do sistema ABO também parece ser um fator de proteção.
Prevenção e tratamento
Como forma de prevenção, a primeira medida é a pesquisa do tipo sanguíneo materno e de anticorpos sanguíneos irregulares. A depender dos resultados, teremos algumas situações:
- Para a mulher Rh positivo e anticorpos irregulares negativos , não há medidas adicionais;
- Para mulheres Rh negativo e anticorpos irregulares negativos , cujo pai do bebê também é Rh negativo , também não há medidas adicionais.
Nestas duas situações acima o risco de doença fetal grave causada pelo tipo de sangue é praticamente nulo. Segue-se o pré natal habitual.
- Para mulheres Rh negativo e anticorpos irregulares negativos , cujo pai do bebê é Rh positivo , o nosso objetivo é prevenir que esta mãe crie anticorpos anti Rh.
Esta mulher deve estar sob vigilância . Deve ser realizada pesquisa de anticorpos irregulares (ou especificamente teste de Coombs Indireto) mensal.
Em se mantendo Coombs negativo, é recomendado que a mulher com sangue Rh negativo receba injeções de anticorpos anti-Rh , nos seguintes momentos:
- Com 28 semanas de gravidez, rotineiramente, caso não tenha tido que tomar antes;
- Até 72 horas depois do parto de um bebê com sangue Rh positivo, mesmo se acontecer um aborto espontâneo ou induzido, mesmo que tenha feito uso com 28 semanas;
- Depois de qualquer episódio de sangramento vaginal durante e gravidez, independente da idade gestacional;
- Depois de exames invasivos, tais como, amniocentese, funiculocentese e biópsia de vilo corial.
Os anticorpos injetáveis são conhecidos como imunoglobulina rH0 (D), isso faz com que o sistema imunológico da mulher seja menos capaz de reconhecer o fator Rh, não produzindo anticorpos próprios. Desta maneira, na próxima gestação é mínimo o risco de complicações para o bebê.
Uma vez recebido injeção de imunoglobulina rH0, o teste de Coombs indireto ficará positivo por até 12 semanas, não sendo recomendada a sua realização neste período.
- Para mulheres Rh negativo com anticorpos irregulares positivos , especialmente anti D +, diz-se que já houve a aloimunização. Neste caso nosso objetivo será monitorar o risco de anemia fetal, estimar sua gravidade e tratar quando necessário, evitando as complicações mais graves.
O teste de Coombs indireto deve ser realizado mensalmente com acompanhamento da quantidade de anticorpos maternos. Enquanto os títulos forem baixos, o risco de anemia fetal é mínimo.
Quando os títulos de anticorpos forem maiores que ¼ a ⅛ (a depender da referência), considera-se maior risco de anemia para o bebê. Deve-se então realizar ultrassonografia semanal a partir de 18 semanas, a fim de verificar sinais de anemia fetal : (características anatômicas do feto e dopplervelocimetria, através da medida do pico de velocidade sistólica da artéria cerebral média- PVS-ACM)
- Espessamento e alteração da ecogenicidade placentária;
- Hepatoesplenomegalia com aumento de circunferência abdominal do feto;
- Duplo contorno da bexiga, estômago ou vesícula biliar;
- Derrame pericárdico;
- Aumento da hidrocele e do líquido amniótico;
- Ascite fetal;
- Hidropisia;
- Valores de PVS-ACM acima de 1,5 múltiplos da mediana.

(Imagem cedida por Dra. Renata Assunção – Acervo pessoal)
Caso seja constatada sinais de anemia fetal moderada a grave, está indicado o tratamento através da transfusão sanguínea para o feto, enquanto ele ainda está no ventre materno, procedimento chamado Transfusão Intraútero (TIU).
A depender da gravidade do quadro, podem ser realizados mais de uma TIU. Com estas transfusões, objetiva-se tratar a anemia, melhorando a insuficiência cardíaca do feto.
O parto deve ser realizado entre 32- 35 semanas, caso seja possível chegar até esta idade gestacional. Deve-se contrabalancear o risco da anemia vs os riscos do parto prematuro.
Ao nascimento, dependendo da gravidade do caso e dos níveis de bilirrubina, além de fototerapia pode ser indicado um procedimento chamado exsanguineo-transfusão , no qual é realizada uma substituição do sangue do neném (que está cheio de anticorpos maternos atacando as suas células vermelhas) por sangue compatível com o seu próprio, a fim de interromper o processo causador da anemia.
Quais os riscos para a mãe?
Do ponto de vista materno, o risco se dá caso a mãe receba transfusão de sangue com tipo não específico ao seu próprio. Aumentando as chances de reação transfusional.
Entretanto, nos dias atuais a chance de uma transfusão sanguínea tipo inespecífica ocorrer é mínima.
O risco maior se dá então pelo grande estresse envolvido com uma gestação de alto risco , múltiplas coletas de exames, realização de ultrassonografias e medo associado a toda essa circunstância desfavorável.
E se a mãe for Rh positivo e o pai do bebê Rh negativo?
Neste caso, não há o que se preocupar. Nesta situação a mãe tem o antígeno Rh+, então ela não produz anticorpos anti Rh.
O bebê poderá ser Rh positivo como a mãe, não havendo incompatibilidade entre ele e a mãe, portanto sem nenhum problema.
Ou o bebê será Rh negativo como o pai (a depender da genética materna) e não sofrerá nenhuma consequência pois a mãe não produz anticorpos anti Rh, e mesmo que produzisse, o bebê não possui antígeno Rh+ para ser reconhecido como invasor.
Em resumo…
A incompatibilidade sanguínea mais preocupante é a do tipo Rh. Quando a mãe é Rh negativo e o bebê é Rh positivo pode acontecer a aloimunização, ou seja, formação de anticorpos maternos contra hemácias do bebê.
Na gestações seguintes , se o bebê também for Rh positivo há o risco de os anticorpos maternos atacarem as hemácias do bebê, provocando anemia, que pode precisar de transfusão.
Se você tem Rh negativo e seu parceiro Rh positivo, cheque se você realizou os exames indicados para saber se está em risco! Converse com a sua Obstetra!
O post Incompatibilidade Sanguínea – Risco para a Mãe e para o Feto apareceu primeiro em Dra Juliana Teixeira Ribeiro.
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